O novo rosto do Direito

Ao comemorar seus vinte anos de existência, a FGV Direito Rio lança um livro no qual aborda as bases que norteiam os trabalhos da instituição e sua visão de futuro

Por Sérgio Siscaro

Longe da antiga recitação de leis e precedentes, o Direito vem se modernizando para acompanhar a dinâmica da sociedade – que é mais internacionalizada e mais conectada tecnologicamente do que era há poucas décadas. O recém-lançado livro Pensando a realidade para formar o futuro, da FGV Direito Rio, busca mapear essa nova realidade, trazendo textos que relacionam o novo universo da prática jurídica à trajetória da instituição – que completou 20 anos em 2022.

Voltada à inovação e a internacionalização do Direito, a escola tem promovido a aproximação com 54 instituições de 22 países – incluindo o Canadá, por meio de uma parceria com a McGill University, de Montreal, com a qual mantém uma parceria desde 2014.

Sérgio Guerra, diretor da FGV Direito Rio, visiting researcher pela Yale Law School e organizador da obra, falou à Newsletter CCBC sobre a publicação, o momento atual vivido pela instituição e as tendências no campo do Direito. A seguir, trechos da entrevista:

Newsletter CCBC: Como surgiu a iniciativa de lançar o livro?

Sérgio Guerra: A missão da FGV Direito Rio é a de formar lideranças da área jurídica e, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento social e econômico do país. Como completamos 20 anos de existência neste ano, pensamos no livro como uma forma de mostrar à sociedade o nosso estado atual de maturidade institucional, e nosso papel no ambiente jurídico brasileiro. O livro traz o debate interno feito com nossos profissionais de tempo integral e com o professor Roberto Mangabeira Unger, que há duas décadas participou da elaboração do desenho institucional da escola. Esse diálogo reflete nosso foco em uma pesquisa aplicada, que busca pensar a realidade brasileira a partir de dados concretos, e em sermos uma instituição global, que também é voltada para o mundo.

Newsletter CCBC: Esse olhar mostra uma evolução importante na forma como se desenvolveu a cultura de ensino jurídico em nosso país. É possível vislumbrar para onde essa rota irá levar a FGV Direito Rio no futuro?

Sérgio Guerra: Em nosso plano de negócio trabalhamos com um horizonte de dez anos. Já mudamos o currículo da graduação três vezes em nossos vinte anos de atuação. As respostas jurídicas são completamente diferentes do que tínhamos no passado, quanto a atenção se voltava para o aprendizado de doutrinas e teorias clássicas, importadas principalmente da França. Hoje são abordados temas como tecnologia, programação de computadores e estatística. Se não trabalharmos com o Direito de uma forma mais contemporânea, não é possível enfrentar os desafios que a realidade impõe. Por essa razão, nos consideramos não uma escolha melhor que as outras, mas uma escola diferente. Essa permanente mutação da FGV Direito Rio é necessária porque não podemos ficar engessados nas categorias clássicas do Direito e do ensino.

Newsletter CCBC: Ou seja, há uma necessidade de constante adaptação às demandas da sociedade.

Sérgio Guerra: Sim. As empresas mais valiosas do mundo hoje são aquelas que manipulam dados. Os dados lidam com uma série de categorias jurídicas às quais não estávamos acostumados no Direito – como direito à privacidade digital, exercício da cidadania por meio de redes sociais, novas relações trabalhistas, e por aí vai. Por essa razão, todas as categorias jurídicas do passado têm de ser revisitadas, sob um olhar disruptivo. Se a realidade muda, a escola de Direito também tem que mudar.

Newsletter CCBC: Na Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), muitas vezes nos deparamos com a necessidade de explicar as diferenças e peculiaridades jurídicas do Brasil aos canadenses, e vice-versa. Será que essa tendência à internacionalização e à utilização de novas tecnologias tende a levar a uma convergência global de práticas e entendimentos?

Sérgio Guerra: Eu concordo com seu ponto de vista. De algum modo, práticas antes relegadas a determinadas jurisdições, países ou modelos, estão se aproximando. Há uma convergência e hoje, onde quer que você esteja, há categorias jurídicas que são utilizadas indistintamente. Atualmente se fala em um direito administrativo global. É algo similar ao que acontece no sistema financeiro internacional: se cada país adotasse um sistema próprio, não seria possível a comunicação entre instituições financeiras internacionais. Ou na aviação civil, na qual, graças à regulação internacional, é possível deslocar aeronaves entre diferentes países.

Hoje as hard laws, ou seja, as leis escritas de determinado país, passam a ser acompanhadas das soft laws, que são diretrizes mais maleáveis, e que são indispensáveis para os países e empresas fazerem parte do jogo global. Há assim uma mudança – da ideia de imperatividade das normas dentro de uma soberania local para um verdadeiro direito público não estatal, internacional. Isto muda sensivelmente a maneira de se fazer a formação dos advogados e também a atuação das empresas em todo o mundo.

Nesse cenário, são necessárias outras ferramentas, como a arbitragem e a mediação. É o que faz o CAM-CCBC, uma importante instituição no campo das soluções alternativas de controvérsias. Estudar essas ferramentas passou a ser obrigatório nos cursos de Direito – embora algumas escolas ainda não o façam. Na FGV Direito Rio, a arbitragem é uma disciplina obrigatória, assim como a mediação. E também as soft skills necessárias para preparar melhor os alunos, e temas interdisciplinares, como estudo de dados. São temas que no passado não eram incluídos na grade curricular dos cursos de Direito.

Newsletter CCBC: Como avalia o ano de 2022 para a FGV Direito Rio?

Sérgio Guerra: Neste ano em que completamos duas décadas, atingimos o ponto principal de nosso plano de negócios iniciado há cinco anos. Um exemplo disso foi a criação de núcleos temáticos e comitês especializados em questões que precisam ser melhor entendidas para que se possa desenvolver o ambiente de negócios no Brasil. Cinco desses comitês estão alocados em nossa iniciativa Regulação em Números, e outros cinco devem ser criados no ano que vem.

A ideia desses comitês é reunir especialistas de cada área, players importantes, executivos, reguladores, representantes do poder público, grandes escritórios de advocacia e prestadores de serviços, e promover encontros para discutir de que forma é possível melhorar o setor. Um exemplo é o comitê que discute a infraestrutura aeroportuária; a partir dos encontros, podemos produzir pesquisas, estudos, white papers ou promover eventos, nacionais e internacionais – além de trazer também nossos alunos de graduação e pós-graduação. Esta é a forma pela qual a FGV Direito Rio aplica na prática aquilo que ela pesquisa, trazendo a realidade brasileira para dentro da escola.

Outro ponto de destaque do ano foi nosso foco em internacionalização. Hoje 30% de nossa grade curricular é composta por disciplinas em inglês. Recebemos convidados internacionais, fellows que vêm de outras partes do mundo, e com os quis fazemos esse intercâmbio de informações. Esse fluxo faz com que nossos alunos passem a ter essa convivência com práticas internacionais.

Por fim, tivemos também projetos de campo feitos com instituições das mais variadas – como a Orquestra Sinfônica Brasileira. Isto leva os alunos a conhecerem como funciona o plano de negócios e as questões jurídicas de forma direta – seja em uma comunidade, uma grande instituição pública, ou em disputas nos Moots [competições internacionais de arbitragem].  Esse contato com a realidade gera uma grande integração, e todos saem ganhando.

Para tudo isso ser realizado, a FGV Direito Rio se preocupa muito com a qualidade – temos a certificação ISO 9001, e nos preocupamos em ser uma escola premium. Também dispomos de um programa de diversidade e inclusão, que possibilita conceder bolsas de estudos para alunos que não têm condições financeiras de cursar a escola, ou pertencem a públicos minorizados. Por fim, temos um Conselho de Ética, liderado atualmente pelo presidente em exercício do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, que reflete nossa preocupação de que os alunos atuem não só em um ambiente diverso, mas que também se paute pelo respeito à ética.

Os interessados em adquirir o livro Pensando a realidade para formar o futuro podem entrar em contato com a FGV Direito Rio pelo e-mail [email protected].