Traduzindo o Brasil para os investidores

Comissão de Investimentos em Infraestrutura da CCBC se volta a governos estaduais em busca de oportunidades de negócios

Por Sérgio Siscaro

No início de abril, a rodada de leilões de infraestrutura promovida pelo governo federal na Infra Week promoveu a concessão de cinco terminais portuários, 22 aeroportos regionais e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol). Considerada bem-sucedida, a iniciativa confirmou que, mesmo diante das incertezas causadas pela disseminação da Covid-19 e pelo cenário político, o Brasil deverá continuar atraente para investidores internacionais. No entanto, os recentes cortes orçamentários federais tendem a deixar cada vez mais nas mãos dos estados a responsabilidade de captar investimentos para esses setores.

De acordo com o coordenador da Comissão de Investimentos e Infraestrutura (CII) da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), Bayard Lucas de Lima, este processo de descentralização das iniciativas de investimentos em infraestrutura se deve ao fato de que o Orçamento da União dedica apenas 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) a esses projetos, conforme cálculos da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Com isso, o governo empurra para a iniciativa privada a responsabilidade de construir o backbone logístico do Brasil, e faz com que os estados sejam responsáveis por tentar atrair investidores.”

Diante desse quadro, os trabalhos da Comissão têm sido direcionados aos governos estaduais, junto aos quais é realizado um trabalho de identificação das oportunidades de investimentos locais e de identificação dos fatores de riscos para os investidores canadenses. “Estamos escolhendo estados nos quais existam claramente muitos projetos de interesse. E identificamos todos os potenciais riscos existentes, assim como as dificuldades logísticas que possam ser encontradas e a capacidade de apoio aos projetos por parte das secretarias estaduais envolvidas. Já ouvimos dos secretários de Infraestrutura e de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e Ceará quais são os seus projetos prioritários. E descobrimos que eles estão preparadíssimos para ‘venderem’ seus projetos – inclusive buscando ativamente investidores fora do Brasil. Agora deveremos falar com o governo do Pará”, adianta.

As novas fronteiras

Para Lima, de nada adianta ao Brasil registrar recordes no setor agrícola se continuar tendo problemas em escoar a produção. “A ligação das novas fronteiras agrícolas do Brasil é um fator extremamente importante para o setor produtivo. Não é à toa que se assiste hoje a esse interesse pela regionalização dos projetos de infraestrutura e pela expansão dos meios de transporte”, afirma.

Ele lembra que o recente leilão de 22 aeroportos regionais promovido pelo governo federal foi considerado um sucesso, ao registrarem ágio médio de 3.822,61% com relação ao valor inicial. O coordenador da CII também menciona a privatização de rodovias no Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso como exemplo deste interesse pela regionalização. “A expansão dos portos é outro gargalo logístico, e já assistimos a projetos de expansão em Santos (SP), Pecém (CE) e Suape (PE). Todo o escoamento de soja do Centro-Oeste, que deveria ser direcionado aos portos do Sudeste e do Sul, está sendo transportado pela BR-163 rumo ao Pará, onde é embarcada.”

Além do segmento logístico, o setor de infraestrutura brasileiro apresenta várias outras oportunidades atraentes para investimentos externos. Segundo Lima, a Nova Lei do Gás, que quebra o monopólio da Petrobras nessa área, é um fator positivo para a atração de investimentos. Além disso, a área de energias renováveis também gera bastante interesse – como o biogás, a solar e a eólica.

“O setor de saneamento também é visto com muita atenção pelos canadenses – que sabem identificar sua importância para o desenvolvimento econômico do Brasil. Sem investimentos em água potável e tratamento de esgotos, temos o agravamento de problemas de saúde, o que inviabiliza investimentos nos demais setores da economia”, salienta.

Riscos potenciais

Para Lima, a função da Comissão é a de “traduzir o mercado brasileiro” para os investidores, não apenas apresentando projetos promissores, mas também explicando detalhadamente os tipos de riscos que podem ser encontrados. “Não somos meros brokers de oportunidades; atuamos no sentido de preparar o investidor para que ele aproveite de forma mais qualificada as oportunidades que aparecerem”, afirma.

O coordenador assevera que o principal risco atualmente encontrado no Brasil é, sem dúvida, o da insegurança jurídica. “Um exemplo disso é o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae): a poucos dias do leilão ainda não se sabia se o prazo de concessão seria de 35 ou 25 anos. Há também o risco de imagem do Brasil, muito associado à questão ambiental, e que poderá se tornar um empecilho para alguns investidores institucionais estrangeiros. Principalmente aqueles de países como o Canadá, onde há uma consciência ambiental muito forte”, afirma.

Fatores políticos e econômicos também podem afastar potenciais investidores: “Pela primeira vez em décadas, estamos falando de risco político, com questionamentos sobre a sustentabilidade do regime democrático. Todos esses temas voltaram à pauta em um momento muito delicado. Além disso, os estados estão financeiramente quebrados – o que coloca em dúvida sua capacidade de executar as contrapartidas dos investimentos em infraestrutura”. Uma última questão citada por Lima é a crescente tendência de desindustrialização do país. “É um risco real; tanto que estamos assistindo a grandes empresas deixarem o Brasil. Isso pode comprometer a demanda por investimentos em infraestrutura”, pondera.

No entanto, o Brasil ainda teria uma vantagem: seus riscos já são conhecidos dos investidores estrangeiros – especialmente dos canadenses, muitos dos quais já atuam no país há muitos anos. “Os projetos de infraestrutura são de longo prazo – o que permite ao investidor diluir esses riscos ao longo do tempo de duração da concessão.  Além disso, outros países oferecem riscos mais sérios, como é o caso da Índia, da China e de diversas nações africanas. Por exclusão, o Brasil acaba sendo beneficiado.”