Brasil e Canadá: laços de amizade ao longo do tempo

Na maior parte dos 200 anos de sua existência como país independente, o Brasil sempre manteve relações próximas ao Canadá – diplomáticas, de imigração e de negócios 


Por Sérgio Siscaro

No próximo mês, o Brasil comemora o bicentenário de sua independência política. Em 7 de setembro de 1822 foi anunciada a ruptura com a metrópole Portugal, levando o país a ser governado de forma autônoma e buscar o reconhecimento internacional. Nas décadas seguintes, intensificaria suas relações com o resto do mundo – incluindo o território que se tornaria o Canadá. 

Naquela época, o país da América do Norte ainda não havia se tornado autônomo com relação ao Reino Unido; isto só aconteceria em 1867, quando três colônias separadas decidiram se unir – as províncias do Canadá, Nova Escócia e Novo Brunswick. Elas passaram a formar uma confederação unificada, que seria o Domínio do Canadá: um país praticamente independente, apesar de ainda ter sua política externa determinada pela coroa britânica. Nas décadas seguintes, novos territórios se uniriam à confederação, até a incorporação de Alberta e Saskatchewan em 1905. A independência canadense foi fortalecida com o Estatuto de Westminster, em 1931, e consolidada com o Constitution Act, de 1982, que encerrou quaisquer elos legais que ainda uniam o país ao Reino Unido.  

É interessante notar que um ano antes da formação do Canadá, em 1866, suas províncias já haviam estabelecido uma missão comercial no Brasil. Os laços entre os dois países voltaram a se fortalecer ao longo do Segundo Reinado brasileiro, quando o imperador Dom Pedro II visitou a província de Ontário em 1876. Essa aproximação do Brasil com o Canadá fazia sentido dentro da ideia de fortalecer o pan-americanismo, posição que tentava contornar a forte dependência brasileira das potências europeias de então. A delegação brasileira visitou a ilha Manitou, nas proximidades do lago Huron, local onde teria se originado a civilização Anashinabe. Também passou pelas Cataratas do Niágara e Brockville. 

Movimentação de imigrantes 

Hoje o Canadá é um país que, por conta de suas condições econômicas, atrai imigrantes de todo o mundo, incluindo brasileiros – muitos dos quais também estudam em instituições de ensino superior canadenses. De acordo com dados do governo do Canadá, em 2016 um total de 1.730 brasileiros receberam a autorização de residir em caráter permanente no país; em 2021, esse número já havia saltado para 11.420. 

É interessante notar que esses fluxos de imigrantes tiveram início já no século XIX. Em 1867 já havia cinco canadenses vivendo na Colônia Príncipe Dom Pedro (SC); em 1873, um médico de Quebec imigrou para Serro Azul (PR) com sua família. Em 1876, um grande contingente de cerca de 300 imigrantes do Canadá se dirigiu ao Pará, aproveitando um esquema de atração de imigrantes da América do Norte estabelecido pelo governo imperial depois da Guerra Civil dos EUA. Os imigrantes foram alocados na colônia de Benevides. 

Vinte anos depois, os esforços do estado de São Paulo para atrair mão-de-obra imigrante para as lavouras cafeeiras levou à chegada de 500 canadenses ao porto de Santos em 1896, todos provenientes de Montreal. Contudo, uma série de irregularidades no processo de recrutamento acabou levando ao repatriamento de vários desses imigrantes.  

Em 1902, era a vez de brasileiros se dirigirem ao Canadá. Naquele ano, um grupo de 48 pessoas, que originalmente imigravam para Oklahoma (EUA), se instalou em Ontário. Na mesma época também se registravam imigrantes europeus que, após viverem alguns anos no Brasil, tentaram a sorte no Canadá.  

Contatos bilaterais 

O século XX assistiu à paulatina aproximação dos dois países. As relações formais foram estabelecidas em 1941, em meio à Segunda Guerra Mundial. Na época, o Brasil ainda oscilava em prestar apoio aos Aliados, ao passo que o Canadá já se encontrava engajado no combate, na condição de integrante da Commonwealth britânica. Nesse ano foi aberta a primeira missão diplomática em Ottawa, sob o comando do ex-interventor federal no estado de São Paulo, João Alberto Lins de Barros. Na época foi celebrado um Tratado de Comércio, que passou a vigorar em 1943. Três anos depois, em 1944, o governo canadense inauguraria uma embaixada na então capital Rio de Janeiro, liderada pelo embaixador Jean Désy.  

Como decorrência desse intercâmbio diplomático, as visitas entre os líderes dos dois países se intensificariam nas últimas décadas. Em 1971, durante a ditadura militar brasileira, o primeiro-ministro Pierre Trudeau veio ao Brasil. Após a redemocratização foi a vez do primeiro-ministro canadense Jean Chrétien, que visitou o país em janeiro de 1995. Na ocasião ele ressaltou a cooperação entre Brasil e Canadá em diversos fóruns internacionais, tratando de temas tão diversos quanto desarmamento, direitos humanos e a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU). “O Brasil e o Canadá encontram-se quase em extremos opostos do mundo. Para amigos isso é uma longa distância; deste modo, poderemos ter de trabalhar um pouco mais arduamente, mas as recompensas valerão a pena”, afirmou então Chrétien, dando início a uma era de intensificação nos contatos bilaterais – como, por exemplo, a visita do presidente Fernando Henrique Cardoso ao Canadá, em 2001.  

Hoje os dois países são parceiros dentro do G-20 – grupo de países criado em 1999, no contexto das crises financeiras do período, e que tem como finalidade coordenar políticas entre os integrantes para a promoção do crescimento sustentável e estabilidade econômica, entre outros temas. Além disso, duas outras iniciativas têm aproximado Brasil e Canadá no plano institucional e econômico. Uma é o Diálogo de Parceria Estratégica, lançado pela presidente Dilma Rousseff e pelo primeiro-ministro Stephen Harper em 2011, com a finalidade de estabelecer um fórum para discutir a agenda de cooperação bilateral, entre outros temas. Sua última reunião aconteceu em Ottawa, em 2018, quando os ministros de Relações Exteriores dos dois países confirmaram o compromisso de cooperação bilateral. 

A outra iniciativa que tem aproximado Brasil e Canadá são as negociações entre aquele país e o Mercosul para o estabelecimento de um acordo de livre comércio. Ainda que os contatos tenham sido afetados pela pandemia da Covid-19, que levou a uma suspensão da programação de reuniões, o tema continua fazendo parte da agenda de conversações entre o bloco e o governo canadense. 

Parceria de negócios 

Nas décadas seguintes, o contato entre os dois países se manteve por meio tanto das relações diplomáticas quanto da presença de empresas canadenses no Brasil  – como, por exemplo, a São Paulo Tramway, Light and Power Company, fundada em 1899 em Toronto, e que no mesmo ano foi autorizada pelo então presidente brasileiro Campos Sales a atuar no país. Poucos anos depois, em 1905, a companhia passaria a atuar também na capital Rio de Janeiro. Importantes companhias viriam nas décadas seguintes, como Alcan, Massey-Ferguson, diversas instituições bancárias e companhias mineradoras, entre muitas outras.  

Apesar de eventuais desacordos, como a disputa comercial entre a fabricante de aeronaves brasileira Embraer e a Bombardier, a partir de 1996 – a relação bilateral continuou se estreitando. No início do século XXI, brasileiras como a Vale e a Gerdau já investiam no Canadá, e novas empresas desembarcavam no Brasil, como a mineradora Kinross. Mesmo passando por obstáculos recentes, como a crise financeira mundial e a pandemia da Covid-19, essa tendência continua: em 2021, o Canadá teria investido no país US$ 19,78 bilhões (considerando a participação no capital e operações entre empresas), ao passo que, no sentido inverso, o Brasil investiu US$ 9,69 bilhões.  

Esse estreitamento de contatos na área dos negócios teve como um dos seus destaques a criação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), em 1973. E continua até hoje, como demonstraram recentemente as negociações para a expansão da exportação de carne brasileira ao mercado canadense e as recentes importações de fertilizantes pelo Brasil. Esses fatos sugerem que a relação bilateral deverá continuar aproximando esses dois países das Américas, ao menos pelos próximos 200 anos.