Federal Reserve deve ditar ritmo de juros no Brasil e no Canadá

Movimento do BC norte-americano é fundamental para a evolução de países emergentes e desenvolvidos

Por Alessandra Taraborelli

Inicialmente, o ano de 2024 poderia ser marcado por um relevante afrouxamento monetário, após a sinalização do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de que o comitê havia iniciado o debate sobre os cortes de juros. No entanto, mais uma vez as expectativas traçadas divergiram da realidade, com atividade econômica ainda aquecida e inflação pressionada. É o que afirma Pedro Chrysostomo, especialista Macroeconômico da Vinci Partners.

O mercado ainda espera o começo do ciclo de cortes nos Estados Unidos, mas agora de forma menos intensa, com redução de apenas 100 pontos base. “Estamos alinhados com a visão de flexibilização mais moderada. Entretanto, julgamos que mais importante do que o tamanho do ciclo é o próprio início dos cortes, os quais esperamos que ocorram em junho”, avalia.

Chrysostomo revela ainda que o movimento do Fed é fundamental para a evolução do cenário global, tanto em países emergentes quanto desenvolvidos. Ele prevê que, mesmo com a atividade econômica forte, veremos a continuidade dos cortes da Selic no Brasil e o começo do ciclo no Canadá.

Pela maior familiaridade com ambientes inflacionários, as economias emergentes começaram a atuar na direção de retirar estímulos antes dos países desenvolvidos, sendo o Brasil, a primeira economia relevante a subir juros, no processo que levou a Selic de 2% em 2021 para 13,75% em meados de 2022.

Análise

Com a forte alta da taxa básica de juros, analistas começaram a projetar uma forte desaceleração da atividade econômica em 2022, com a pesquisa Focus apontando para crescimento próximo de zero naquele ano, mas que – como sabemos – registrou forte avanço de 3%. A história se repetiu em 2023, com o mercado esperando baixo crescimento de 0,5% em janeiro, quando, na verdade, o ano apresentou novo avanço sólido de 2,9%.

Apesar da atividade mais forte, o processo de desinflação segue em curso, com o IPCA caindo de 12% em meados de 2022 para 4,6% em dezembro de 2023. A desinflação permitiu que o Banco Central começasse a cortar a Selic que hoje se encontra em 10,75%, com sinalização de que chegará em 10,25% em junho.

“Acreditamos que a desinflação continuará, com o IPCA caminhando para 4,1% em 2024 e 4,0% em 2025, permitindo que o Banco Central leve a Selic para um dígito ainda este ano. Nossas projeções são de Selic no final do ano em 9% e de 8% em 2025. Até agora, a queda do diferencial de juros não teve impacto relevante sobre o câmbio que, por sinal, valorizou desde o início do ciclo de cortes”, pondera o especialista.

O especialista acrescenta ainda que a boa performance do Real se deve principalmente pelo robusto crescimento do saldo comercial brasileiro, com a balança registrando superavit de US$ 99 bilhões em 2023. Mesmo que em 2024 a entrada de dólares pelo superavit comercial continue sendo relevante, provavelmente acima de US$ 90 bilhões, a expectativa é de que o Banco Central passe a depender do começo dos cortes de juros nos Estados Unidos ao longo do segundo semestre do ano.

Por fim, com a Selic menos restritiva, mercado de trabalho aquecido, reajustes reais de salários, continuidade das transferências de renda e excelente desempenho da balança comercial, acredita-se que o crescimento pode novamente surpreender o mercado, que atualmente espera avanço do PIB de 1,7% contra a projeção de 2,1% da Vinci Partners, podendo ser até mesmo mais forte do que isso. “O crescimento mais forte ajuda na redução do ruído político e na dinâmica fiscal, que acreditamos que também deve registrar resultado melhor do que o esperado pelo mercado, com o governo seguindo na busca do prometido resultado primário zerado para este ano”, pondera.

Canadá

Assim como no Brasil, outras economias emergentes responderam mais rapidamente à alta da inflação, controlando o aumento dos preços e permitindo que começassem o processo de corte de juros ainda em 2023. Por outro lado, a resposta dos países desenvolvidos foi mais lenta, com o Fed subindo os juros apenas no final do primeiro trimestre de 2022 até meados de 2023.

A alta conduzida pelo Fed foi acompanhada pelos demais Bancos Centrais avançados, como o Banco do Canadá, que subiu a taxa de 0,25% para 5,0% praticamente simultaneamente a alta do BC norte-americano. Após o início tardio do aperto monetário, o roteiro observado no Brasil e demais emergentes foi seguido nas economias avançadas.

“Portanto, existe uma resiliência da atividade, muito em função da defasagem de estímulos garantidos até 2022 e, em alguns casos, como nos Estados Unidos, pela renovação do impulso fiscal, que acabou limitando a piora das condições financeiras e blindando a atividade. Assim como no Brasil, o crescimento da economia americana surpreendeu em 2023, ao registrar alta de 2,5%, enquanto o mercado acreditava em número perto de zero até meados do ano”, explica Chrysostomo.

Para 2024, a história é ainda mais similar ao cenário visto no Brasil, com dados do primeiro trimestre mostrando força, levando a novas revisões para o PIB do ano, atualmente em 2,1%.

Nas demais economias desenvolvidas, a sincronia com os Estados Unidos é bastante perceptível, com pequenas diferenças apenas quanto ao tamanho do estímulo fiscal, que acabam justificando números um pouco diferentes de crescimento.

Canadá e Europa fizeram menos estímulo fiscal do que os Estados Unidos, mas a proximidade e similaridade da economia canadense justificam o crescimento de 3,8% em 2022 e 1,1% em 2023, enquanto a Europa registrou alta de 3,4% e 0,4% durante o mesmo período. A resiliência da atividade e os estímulos permitiram que o mercado de trabalho no Canadá continuasse aquecido, com a taxa de desemprego fechando 2023 em 5,4%, levemente acima dos 5,3% observados em 2022. Para 2024, o mercado espera novamente certo desaquecimento, com o desemprego avançando para 6,4% e crescimento do PIB caindo para +0,7%.

Enquanto isso, a inflação que caiu de 6,8% para 3,9% deve continuar desacelerando, mas assim como nas demais economias, não deve voltar a rodar consistentemente perto de 2%. “Mesmo com atividade menos aquecida do que nos Estados Unidos, julgamos ser difícil um processo de flexibilização muito divergente daquele que deve ser conduzido gradualmente pelo Fed ao longo do segundo semestre. Deste modo, a evolução do cenário global depende da ação do banco central norte-americano, pois é ele que vai permitir que emergentes continuem cortando juros, e desenvolvidos deem início ao ciclo”, conclui Chrysostomo.