Como a perícia contábil pode auxiliar na resolução de conflitos?

Prova técnica sobre questões relacionadas ao patrimônio das sociedades busca esclarecer os fatos econômico-financeiros visando contribuir na solução do litigio

Por Fernando Dal-Ri Murcia – Professor da FEA/USP e Diretor de Pesquisas da FIPECAFI

O termo perícia advém do latim peritia, atividade realizada pelo peritus – o expert. De maneira geral, a perícia pode ser entendida como a análise, o trabalho que é realizado pelo especialista, o perito.

Sob a ótica jurídica, conforme dispõe o Código Civil de 2002, ela é considerada um dos meios de prova.

“Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:

I – confissão;
II – documento;
III – testemunha;
IV – presunção;
V – perícia
.

Note-se que o magistrado, no âmbito de um processo judicial, ou o tribunal arbitral no contexto de uma arbitragem, necessita, por vezes, se debruçar sobre matérias técnicas das quais não é especialista. Isto ocorre, por exemplo, quando as discussões envolvem aspectos relacionados à saúde, engenharia e/ou fenômenos econômico-financeiros. Neste contexto emerge o trabalho pericial, que resulta na emissão de uma opinião técnica especializada sobre determinado tema que objetiva auxiliar o julgador na resolução do conflito, na busca pela verdade. Trata-se, portanto, de uma prova técnica obtida mediante o emprego de método científico que é realizada por um especialista na matéria.

Conforme dispõe o Código de Processo Civil (CPC) de 2015

“Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico”.

Verifica-se que, independente da espécie ou natureza, a finalidade da perícia é sempre a mesma, qual seja a de esclarecer os fatos e auxiliar na resolução do conflito. Quando o tema da controvérsia entre as partes envolve aspectos patrimoniais – mais especificamente o patrimônio da pessoa natural ou jurídica – a contabilidade é justamente a ciência a ser aplicada no trabalho pericial. Neste cenário, demanda-se a realização de uma perícia de natureza contábil.

Registre que o contador, também conhecido no âmbito jurídico como contabilista, é considerado um auxiliar da Justiça, nos termos do art. 149 do CPC

“Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias”.

Naturalmente, a perícia contábil deve ser realizada por profissional de contabilidade, haja vista que é ele quem detém o conhecimento sobre a matéria que envolverá sobre aspectos patrimoniais. Até porque, como dito, o trabalho pericial recai sobre a área de expertise, de conhecimento do perito.

No que tange à normatização a ser observada na condução dos trabalhos, além das leis vigentes, o trabalho pericial deverá ser fundamentado nas normas presentes no ordenamento contábil brasileiro, que incluem aquelas emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

Na realização dos trabalhos, o referido profissional deverá empregar procedimentos técnicos com vistas à consecução dos objetivos da perícia contábil.

Segundo o item 2 da Norma Brasileira de Contabilidade (NBC) TP 01(R1) – Perícia Contábil,

“A perícia contábil é o conjunto de procedimentos técnico-científicos destinados a levar à instância decisória elementos de prova necessários a subsidiar a justa solução do litígio ou constatação de fato, mediante laudo pericial contábil e/ou parecer pericial contábil, em conformidade com as normas jurídicas e profissionais e com a legislação específica no que for pertinente”.

Tais procedimentos – que compreendem os métodos, a metodologia – a serem utilizados pelo profissional contábil encontram-se definidos no item 32 NBC TP 01(R1),

(a) “exame é a análise de livros, registros de transações e documentos;
(b) vistoria é a diligência que objetiva a verificação e a constatação de situação, coisa ou fato, de forma circunstancial;
(c) indagação é a busca de informações mediante entrevista com conhecedores do objeto ou de fato relacionado à perícia;
(d) investigação é a pesquisa que busca constatar o que está oculto por quaisquer circunstâncias;
(e) arbitramento é a determinação de valores, quantidades ou a solução de controvérsia por critério técnico-científico;
(f) mensuração é o ato de qualificação e quantificação física de coisas, bens, direitos e obrigações;
(g) avaliação é o ato de estabelecer o valor de coisas, bens, direitos, obrigações, despesas e receitas;
(h) certificação é o ato de atestar a informação obtida na formação da prova pericial;
(i) testabilidade é a verificação dos elementos probantes juntados aos autos e o confronto com as premissas estabelecidas”.

Note-se que os métodos técnicos e científicos a serem utilizados no trabalho pericial contábil dependerão, obviamente, do escopo da Pericia e também dos quesitos a serem respondidos. Os quesitos, nada mais são que perguntas de natureza técnica que são formuladas pelas partes acerca da matéria objeto de discussão. Representam, portanto, dúvidas, questões, a serem elucidadas mediante a realização da perícia contábil.

Diversas são as matérias que podem demandar a realização de uma perícia contábil, dentre elas:

Demandas societárias e cíveis: envolvendo apuração de haveres na liquidação parcial de sociedades, avaliação de lucros cessantes, discussões relativas a ajustes de preços e earn-outs em contratos de M&A etc.;

Ações fiscais: apuração de tributos recolhidos ou a recolher, discussões relativas a contabilizações com impacto nas demonstrações financeiras da sociedade etc.;

Demandas envolvendo direito público: relacionadas a reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão, revisão de preços e tarifas etc.

Ações Criminais: em especial crimes econômicos como, por exemplo, gestão fraudulenta, insider trading etc.

Reclamações trabalhistas: relacionados a cálculos de salários e verbas trabalhistas, tributos incidentes sobre folha de pagamento etc.

Registre-se que a perícia contábil não objetiva corrigir e tampouco refazer fatos contábeis que não foram realizados de forma adequada. Ao contrário, seu objetivo é constatar, por meio de procedimentos técnicos e científicos, os fatos de modo a trazer uma representação fiel dos eventos ocorridos. Em outras palavras, ela visa expor a veracidade dos fatos que já ocorreram. Não aborda, por consequência, questões jurídicas ou de mérito, reservando-se a demonstrar os fatos contábeis sobre os quais é chamada a opinar.

Note-se que o produto da perícia contábil é justamente o Laudo Pericial Contábil que apresenta os resultados das análises, as respostas aos quesitos formulados pelas partes e as conclusões do trabalho. O referido Laudo pode ser entendido como uma manifestação técnica onde o perito expressa sua opinião à luz da metodologia empregada e dos resultados obtidos.

Sobre este aspecto é importante registrar que o Código de Processo Civil requer que o Laudo Pericial evidencie o método utilizado na realização dos trabalhos.

“Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

I – a exposição do objeto da perícia;

II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;

III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público”.

Assim, não existe, no âmbito do trabalho pericial contábil, espaço para “achismos”, julgamento de valor, suposições ou suspeitas. E, como dito, tampouco existe espaço para opiniões sobre questões de mérito. Ao contrário, o trabalho possui natureza técnico-científica e objetiva refletir os achados obtidos mediante os procedimentos técnicos empregados.

Em conclusão ao presente artigo, a perícia contábil pode auxiliar na resolução de conflitos nas mais diversas áreas do Direito, incluindo as esferas societárias e cíveis, tributárias, trabalhistas e até mesmo no âmbito das ações penais nos crimes econômicos. De fato, sempre que as discussões envolverem temas relacionados ao patrimônio das partes, a ciência contábil é indicada como forma de produção de uma prova técnica e científica. O objetivo, conforme discutido ao longo de breve texto, é elucidar os fatos de modo a auxiliar o julgado na resolução dos conflitos.

Saiba mais sobre o evento clicando aqui.