O novo momento da economia mundial

Empresas buscam se adaptar à tendência de “desglobalização” das cadeias produtivas  


Por Sérgio Siscaro

Dois anos de pandemia da Covid-19 e três meses da invasão russa à Ucrânia causaram um verdadeiro curto-circuito ao planejamento corporativo de todos os setores, ao redor do mundo. O processo de globalização da economia, com a criação de cadeias de suprimentos envolvendo os cinco continentes, diminuindo custos de produção e elevando a rentabilidade das empresas, tem sido desafiado pela necessidade dos países em garantirem acesso a bens e matérias-primas, reduzindo sua dependência de fornecedores externos. Tendências como reshoring e netshoring vão ganhando espaço em um cenário de nacionalização ou regionalização da produção. 

Dada a relevância do assunto, ele foi discutido na reunião que a Comissão de Assuntos Financeiros (CAF) da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC) promoveu no final de abril. Com o tema O paradoxo estrutural nas atividades empresariais com a tendência do aumento do nacionalismo mundial, o encontro online possibilitou aos presentes puderam contribuir com suas percepções sobre as tendências do cenário econômico, e seus impactos sobre os negócios.  

“O Brexit [processo de saída do Reino Unido da União Europeia, iniciado em 2016] foi o primeiro sinal. A seguir, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a chegada da pandemia serviram como catalisadores, escancarando as fragilidades do sistema”, afirmou o coordenador da comissão, Rodrigo Garros Zorzetto, sócio da Conexão BR Investimentos, escritório credenciado à XP Investimentos.  

Produção local 

Também presente ao encontro, o fundador e managing director da Lucalex, Marcelo Andrade, apresentou um exemplo do Canadá, país onde concentra suas atividades. “A Covid abriu as comportadas da renacionalização [da produção], produzindo localmente respiradores, equipamentos de proteção individual (EPIs) e outros itens – a própria vacina da Moderna será produzida em Montreal”. Ele conta que essa tendência fortaleceu o senso de comunidade, o que poderá levar a uma tendência de se fazer cada vez mais negócios localmente. “Cada vez mais será necessário a empresas de fora contar com uma presença mais robusta aqui, para o pessoal sentir que pode confiar”, contou.  

Ele acrescentou que mesmo os fluxos financeiros internacionais podem sofrer com essa tendência de “desglobalização”, com a aplicação de medidas de controle mais rigorosas – o que vem se tornando mais comum no ambiente de sanções à Rússia por conta da invasão à Ucrânia.  

O vice-presidente de Finanças da CCBC, Alexandre Caldas, apontou que, com mudanças tão rápidas na forma das empresas atuarem no mercado global, o acesso a matérias-primas e insumos tem sido dificultado – e este tem sido um grande obstáculo para se atender à demanda. No entendimento de Zorzetto, este fator pode comprometer no futuro a capacidade das empresas em planejar o desenvolvimento de novos produtos, por exemplo.  

Estrutura arcaica 

A reunião da CAF também abordou como papel do Brasil neste cenário é prejudicado por diversos fatores, como a estrutura tributária do país – que impossibilita uma inserção mais competitiva no mercado global. “Nossa estrutura é bizantina – o que gera a sensação de que não vale a pena planejar aqui no Brasil. Isso cria dois tipos negócios: aqueles que se sentem confortáveis no mercado doméstico; e uma minoria que olha um pouco mais além, para mercados mais sofisticados”, avalou Andrade, da Lucalex.  

O coordenador da comissão acrescentou ainda que uma possível entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) poderia servir de catalisador para mudanças no sistema tributário, por conta das pressões externas que o país sofreria. 

Uma possível linha de ação para discutir esse tema, levantado na reunião, é o de se trazer algum representante do poder público no próximo encontro, que teria o formato de um workshop, e até mesmo integrar participantes de outras comissões da CCBC, a fim de proporcionar uma visão mais clara e abrangente sobre o tema aos associados. Outra possibilidade, levantada pelo presidente do IHN e integrante da diretoria da Câmara, Hilton Nascimento, é o de entidades como a CCBC estabelecerem grupos de trabalho que possibilitem acesso a organismos como a OCDE.